Em seus 29 anos, 21 foram praticando esportes. Laís Souza começou a treinar ginástica artística aos quatro. Naquela época, não sabia ao certo o que da modalidade a encantava, mas pediu para sua mãe um teste de presente de aniversário.
Com o passar do tempo, descobriu: a liberdade a seduzia. Hoje, perto de completar cinco anos desde o acidente que a deixou tetraplégica, a paulista tem convicção de que essa é sua maior saudade: “Sinto falta de me sentir livre”.
Para ela, as inúmeras horas de treino eram recompensadas com esse sentimento. A liberdade de dar um mortal no ar e fazer uma acrobacia. Atualmente, seu maior avanço também envolve essa mesma sensação. “Eu consegui ficar sentada sozinha, apoiada nos braços. Fiquei muito feliz porque é uma posição em que me sinto independente”, analisa.
A ex-atleta largou ginástica depois de passar por cerca de 13 cirurgias para corrigir lesões. Ficou um tempo longe do esporte, mas não durou muito: encontrou no esqui aéreo a possibilidade de voltar a sentir a adrenalina e, de novo, a liberdade que sempre prezou. Uma semana antes da Olimpíada de Sochi, Laís desceu a montanha de Park City, nos Estados Unidos. A pedido de seu técnico, não fez manobras para não correr riscos.
“Eu olhei para trás para falar com a Josi Santos”, relembra. “Vem devagar porque está muito rápido, está escorregando muito”, alertou a amiga antes de voltar a olhar para a frente. Depois disso, um apagão. Acordou no chão, já sem conseguir se mover e sem saber ao certo com o que tinha se chocado. Mas também, pouco importa. Laís tem consciência de que não tem como voltar para trás.
“O que eu entendi é que não tem uma outra forma: ou eu encaro e tento ser feliz ou a gente para por aqui”, observa. Como desistir nunca foi uma opção, não seria agora.
Mas se engana quem pensa que foi fácil. Mesmo com os médicos explicando sua situação, ela custou a acreditar. “Não caiu a ficha, eu fui percebendo o que estava acontecendo porque fazia toda força do mundo e não conseguia mover um dedinho”, conta a ex-atleta. Chorou e questionou durante meses até perceber que a solução é ver as coisas pelo lado positivo. “Eu comemoro o fator de ter sobrevivido”, diz.
Ela deixou a cidade de São Paulo, se mudou para a praia de Itaparica, no Espírito Santo, e passou a dar valor para coisas que não dava antes. Formou uma pequena família com sua namorada Paula, quem carinhosamente chama de “mulher”, um gato e um cachorro. Além, é claro, dos dois cuidadores que se revezam.
Para ela, essa está sendo a parte mais difícil da adaptação: ter sempre alguém ali, no meio. “Neste corpo novo que o acidente me deu de herança, nem xixi e cocô eu consigo fazer sozinha. Qualquer coisa que tenho que fazer hoje eu preciso de alguém comigo”, descreve. “Espera só um minutinho. Você puxa meu pé por favor? Ele está caído. Deixa igual o outro, em baixo da perna”, pede, antes de retomar o raciocínio.
Quase cinco anos depois, a ex-ginasta ainda está no processo de aceitação. Quando acha que já passou por tudo, aparece alguma outra coisa e a mostra que ainda tem muito mais para aprender. Até os sonhos dessa nova Laís mudaram. “No começo foi ficar em pé, voltar a andar. Depois, com o amadurecimento tanto meu quanto do meu físico, eu fui entendendo que tinha que correr atrás de outras coisa”, explica. Laís continua querendo andar. Mais que isso, tem fé que isso vai acontecer.
Mas, no momento, sua preocupação é outra: a questão financeira aliada ao envelhecimento. Além de querer ter filhos, os gastos já são bem altos. “Esse é meu maior medo. Não é fácil, são R$ 2 mil de sonda por mês só para fazer xixi, imagina mais para frente e com todos os custos restantes”, reflete.
Laís recebe uma ajuda do governo, tem um patrocinador e dá palestras. Depois do acidente, pensou em voltar a praticar algum esporte, mas não se apaixonou por nenhum a ponto de entrar de cabeça. “Eu não fechei essa porta, mas a princípio tem outras coisas que eu venho me apaixonando”, revela.
Isso inclui ler livros, ficar com seus bichos, cuidar mais de sua alimentação, amar, dividir. Seja com sua namorada, seus familiares ou seus seguidores. Entre as mudanças que a doença trouxe, Laís passou a ouvir mais e falar menos. Ainda assim, compartilha com 597 mil seguidores no Instagram os passos dessa caminhada. “Às vezes eu percebo que o dia está difícil, aí abro as redes sociais e vejo recado das pessoas com problemas maiores que o meu, dificuldades maiores que as minhas e isso me ajuda a continuar”, reflete a ex-ginasta. Fica aí a lição.
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