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Após prisão de João de Deus, ‘remédio’ deixa de ser cobrado

Médium está preso desde o último domingo (16) depois de centenas de denúncias de abuso sexual

A prisão preventiva de João de Deus trouxe um impacto não apenas para o movimento da Casa Dom Inácio de Loyola, onde o médium costumava fazer os atendimentos, mas também em procedimentos do local.

Cápsulas “energizadas”, antes vendidas a um preço de R$ 100, passaram agora a ser distribuídas gratuitamente. Funcionários do centro afirmaram que a mudança foi determinada pelo próprio médium, que costumeiramente indicava o remédio manipulado para mais de dois terços dos frequentadores.

Na manhã desta quarta-feira (19), a casa reunia menos de 200 pessoas em busca de tratamento espiritual. A sessão, a primeira depois da prisão preventiva do médium, começou mais tarde do que o usual, por volta das 9h. E uma hora depois já quase não havia fila no local.

Os poucos fieis reunidos no centro diziam saber das acusações contra o líder espiritual, mas disseram não se importar. “Uma coisa é o homem, outra, o divino. Ele é apenas o veículo de cura. Quem faz todo o trabalho é Deus, é a energia curativa. E ela permanece aqui”, afirmou Nelsa Borborema.

Vinda de Belo Horizonte, Nelsa chegou em Abadiânia na manhã desta quarta. Seu plano era deixar a cidade horas depois. “Não tenho dúvida de que a energia ainda se encontra aqui”, disse.

Procedente de Rondônia, Raimundo da Cruz foi atendido no início da manhã. Mas, por causa da falta de ônibus para retornar a seu Estado, vai passar o Natal em Abadiânia. “Eu sabia, sim, do acontecido. Mas os médicos da Terra não me ajudaram, sabia do centro e resolvi arriscar.” Agora, sua tarefa será encontrar um lugar onde possa dormir. Com mochila e alguns pertences, ele avaliava no início da tarde que a aventura tinha valido à pena. “Estava com uma alergia, com um líquido branco saindo…. Depois que entrei na sala de oração, pelo menos não tem mais moscas ao meu redor.”

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O silêncio era tamanho que era possível ouvir os grilos. A televisão, que tradicionalmente exibe filmes com operações feitas por João de Deus, trazia apenas o alerta que as traduções eram feitas em várias línguas. E o nome do líder, que antes da prisão era citado de forma constante, hoje não foi mencionado.

João de Deus está preso desde domingo em Goiânia, acusado de abusar sexualmente de fiéis em consultas que ele realizaria de forma particular, no próprio centro. Poucos foram os frequentadores dispostos a falar sobre o tema. Um dos funcionários, que não quis ter seu nome identificado, adotou o discurso dos advogados de defesa e afirmou que o médium, de 76 anos, era muito assediado por mulheres.

“Todos os atos aqui praticados são feitos pela Justiça. Aqui nesta casa há apenas a verdade”, afirmava a oradora numa palestra para os poucos fieis que ali se encontravam. Ela pedia energia para todos aqueles que passavam por provações.

O centro atrai mensalmente cerca de 10 mil pessoas, cerca de 40%, estrangeiros. Nesta manhã, a maior parte dos frequentadores era estrangeira. E em sua maioria, já tinham vindo para Abadiânia em outras oportunidades. Poucos foram as pessoas que estavam na Casa Dom Inácio nesta manhã pela primeira vez.

A passiflora é preparada num laboratório que funciona na própria Casa Dom Inácio de Loyola. O centro foi ontem alvo de buscas pela Polícia Civil. De acordo com funcionários, as cápsulas são iguais para todos. O que muda seria a “energia” dispensada em cada frasco. Para os fiéis, tal energia é personalizada. O tratamento dura cerca de dois meses. Questionado porque as cápsulas são vendidas a esse preço, funcionários afirmam haver custos para manutenção da fábrica – registrada no nome da mulher de João de Deus, Ana Keila Teixeira. Além disso, argumentam de que tudo o que é doado, não é valorizado.

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A estimativa é de que sejam vendidos mensalmente cerca de 8 mil frascos de remédio no centro. Isso significa que, somente com as cápsulas, a casa teria um faturamento bruto de R$ 800 mil. Sem falar na pomada para dores, para queimaduras e o xarope. A ordem de gratuidade é apenas para a passiflora. De acordo com funcionários, não há ainda expectativa se o remédio será dado de forma gratuita para todos. Embora sem custo, as filas para a retirada das cápsulas não foi grande.

As ruas da parte nova da cidade amanheceram vazias. Às 8 horas menos de 100 pessoas iam à pé, vestidas de branco, rumo ao centro. Costumeiramente, são centenas.

O impacto no movimento aterroriza o comércio da região. Eles temem que, mantida essa queda, os prejuízos serão ainda maiores. Já se fala em demissões. Situada a 113 quilômetros de Brasília, Abadiânia tem atualmente 17 mil habitantes. A estimativa da Prefeitura é de que a Casa Dom Inácio de Loyola seja responsável por cerca de 1.300 empregos, diretos e indiretos.

Não há no momento, de acordo com funcionários, expectativa de se fechar a casa. O recesso de fim de ano, que foi cogitado, agora está praticamente descartado. Funcionários costumam comparar a casa a uma igreja. O padre até pode sair, mas o centro religioso permanece aberto.

Funcionários dizem não haver sucessor para João de Deus. Caso a prisão se arraste, o “hospital espiritual’, que acreditam existir em cima da casa, continuará funcionando por meio dos voluntários que fazem a corrente, afirmam.

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Demissões em Abadiânia

Desde que as denúncias de abuso sexual contra João de Deus vieram à tona, pelo menos 150 pessoas foram demitidas de pousadas localizadas nas proximidades no centro de atendimento, afirmou o prefeito de Abadiânia, José Aparecido Alves Diniz (PSD). “O levantamento ainda não terminou. Mas já identificamos essas demissões. Como o comércio é muito frágil, ao menor sinal de desaquecimento, as pessoas são dispensadas”, disse.

Nesta terça-feira (18), o prefeito entrou em contato com o governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado e do governador eleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. “Se atrairmos indústria para região, o impacto pode ser amenizado.”

Nesta quarta, menos de 200 pessoas procuraram a Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus faz os atendimentos. Isso representa cerca de 15% do movimento tradicional. Para atrair clientela cada vez mais escassa, lojas já começam a anunciar promoções.

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