Árbitro de futebol durante 25 anos e comentarista de arbitragem por mais 29, Arnaldo Cezar Coelho, 75, está saindo de cena. Na última terça-feira, Brasil x Camarões marcou sua despedida das transmissões. Ainda restam compromissos em programas da Rede Globo até o dia 17 de dezembro.
Depois, futebol, para ele, será apenas lazer, sem o compromisso de ver com lupa cada lance das partidas. “Chegou o momento de parar, me desligar um pouco”, diz o personagem que ajudou a popularizar as análises dos homens do apito com o bordão “a regra é clara”.
No caso dele, a regra mais clara sempre foi ter disciplina. “Foram 29 anos na TV e nunca cheguei atrasado a um jogo. Na verdade, em 54 anos de campo, contando o período também apitando, só faltei uma vez, por causa de uma conjuntivite. E mesmo assim fiquei à beira do campo, revoltado, porque dava para ter apitado”, conta nesta entrevista exclusiva.
Como foi acordar em seu primeiro dia oficialmente como aposentado?
O que essencialmente mudará na sua rotina? Vai ver menos futebol a partir de agora?
Você sai de cena em um momento de grandes críticas à arbitragem brasileira, discussão sobre implementação de VAR… Acha que não tinha mais como contribuir em sua função?
Tem como contribuir, porque a minha função é muito mais didática, a explicação que você tem de fazer num curto espaço de tempo usando a imagem. O motivo da saída é porque chegou o momento de parar, me desligar um pouco, me dedicar aos negócios, à família. Foram 29 anos na TV e nunca cheguei atrasado a um jogo. Na verdade, em 54 anos de campo, contando o período também apitando, só faltei uma vez, por causa de uma conjuntivite. E mesmo assim fiquei à beira do campo, revoltado, porque dava para ter apitado. É como um soldado sem farda, o cara que tem disciplina. Isso cansa. Não é um negócio perto de casa, é viagem o tempo todo, aeoporto. Tenho não sei quantas horas de voo, faço ponte aérea desde 1964.
E uma outra função ainda dentro da arbitragem, como coordenador de arbitragem na CBF, algo do tipo. Você gostaria?
Não. Sabe por que eu nunca toparia? Porque esses caras hoje em dia são profissionais, trabalham de segunda à segunda. O (Wilson Luiz) Seneme (ex-árbitro, hoje presidente do Comitê de Arbitragem da Conmebol) foi convidado pela Conmebol e está morando em Assunção, no Paraguai, levou os filhos para estudar lá. O presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, o coronel Marcos Marinho, mora no Rio, precisa se dedicar o tempo todo. Se for para fazer isso, ficava onde eu estava. E mais: nessa função, eu teria de torcer pelos juízes. Rapaz, torcer por eles é muito difícil! Nem as famílias, às vezes, torcem!
Você diria que mudou as transmissões esportivas?
Não, o que aconteceu foi o seguinte. Tinha no rádio comentarista famoso de arbitragem, mas não tinha na televisão. O que eu vi de oportunidade? Que a imagem fala mais alto do que qualquer coisa no futebol. A imagem não mente. E comecei a explorá-la para explicar didaticamente os lances. Para você ter uma ideia, quando eu ainda apitava, fazia cursos com instrutores do mundo todo, e chamavam árbitros no palco para simular faltas. Já dei e levei muitas soladas participando dessas instruções. Hoje você tem imagens de jogos no mundo, aí passa a imagem e começa a discutir. A televisão ajuda nisso. E por que não usar a imagem pra ajudar no comentário? Agora, surge uma nova figura, a do “teleárbitro”, é um cara que fica em casa, nunca apitou, não está vendo a dificuldade do jogo e diz que foi pênalti. É igual ao árbitro de vídeo. Fica numa sala com ar-condicionado e cafezinho e quer interpretar. Não pode interpretar. Interpretação cabe ao árbitro, que está ali sentindo o jogo.
Como foi trabalhar por quase três décadas na Globo, e ao lado do Galvão Bueno? Vocês brigavam muito fora do ar, era uma relação tensa?
No dia a dia, convivi com grandes estrelas quando apitava, e sempre procurei ter noção de que não era o dono do palco. E no caso do Galvão, nunca quis ser mais do que ele, porque ele é realmente a voz do esporte brasileiro nas últimas décadas. A empatia que a gente tem é fruto dessa nossa cumplicidade. Muitas vezes, eu sento com o Galvão e falo: ‘Talvez você esteja exagerando, respira fundo’. Isso é função do amigo.
Mas como eram os momentos de rusgas?
Os momentos difíceis foram quando surgiu “a regra é clara”. Às vezes, ela pode ser injusta, mas é clara, está escrito. E ele discutia comigo. Não sei se ele provocava a discussão porque ela gera os comentários, ou se porque era convicção dele. Quando é jogo do Brasil… Rapaz, não tem maior torcedor do Brasil que o Galvão.
Você só teve a chance de apitar a final de 1982 porque uma das melhores seleções brasileiras da história ficou pelo caminho. Acha que foi o único brasileiro feliz depois da tragédia do Sarriá?
Imediatamente depois da derrota, não fiquei feliz. Estava em contato como Brasil pelo telefone e tinha marcado de minha mulher ir se encontrar comigo na sexta-feira com dois ingressos para ir na final (que seria no domingo, dia 11 de julho). Eu já tinha apitado Inglaterra x Alemanha em Madri, naquela época cada árbitro só apitava um jogo da Copa. Aí guardei meu uniforme e pensei: ‘Agora, sou turista’. Um juiz português até perguntou se eu não iria me preparar, e eu disse que não, que iria jogar tênis. Quando o Brasil perdeu (na segunda-feira, dia 5), liguei pra casa e pedi pra minha esposa não vir mais na sexta, mas no domingo, porque eu poderia entrar na escala. Mas eu tinha 39 anos, tinha juiz muito mais experiente, capacitado. Na quinta-feira, me ligou o secretário da Fifa dizendo: “Parabéns, você vai apitar a final domingo”.
Acha que antigamente os árbitros tinham mais personalidade?
Tinham mais autoridade. O árbitro tinha o poder da decisão. Havia dois bandeirinhas que auxiliavam na marcação de impedimento e lateral. Mas ai de um bandeirinha que marcasse falta! Porra, você tá apitando, viu que não foi falta, ai vai o bandeirinha e levanta?
Qual regra da sua vida é a mais clara?
Sem disciplina, não se chega a lugar nenhum. Se está marcado para você chegar no dia seguinte às 9h, e chega às 11h… Se falta no outro dia porque o cachorrinho ficou doente. “Ah, mas é um baita de um jornalista”. Não adianta, rapaz, você não vai não chegar a lugar algum.
Galvão Bueno se emociona com despedida de Arnaldo Cezar Coelho
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