“Foi de um jeito até engraçado…” Devagar, Patrick começa a contar a história da primeira vez que viu a futura namorada, em um aeroporto, há sete anos. Piloto, ele esperava outro avião chegar para levar parte de uma família que ia a um enterro. Quem desceu da cabine de comando depois dos passageiros enlutados foi Soraia. “E andou, simpática, na minha direção”, lembra. Em Belo Horizonte, almoçaram juntos e trocaram telefones. Quando, tempos depois, um colega de hangar pediu uma indicação de piloto, lembrou logo, quase sem segundas intenções, daquela que conheceu por acaso.
Não demorou para que começassem um namoro e voassem juntos pela primeira vez. A novidade se transformou em hábito depois que se casaram. Patrick Pereira, de 43 anos, e Soraia Lopes, de 33, vivem sob o mesmo teto – e até quando não há exatamente um teto também estão juntos. O casal de pilotos divide a cabine de um jato executivo e conta bastidores, do relacionamento e da aviação, para 26 mil seguidores nas redes sociais.
O avião que pilotam é de “duplo comando” – alcunha que também usam na internet. O nome é uma metáfora para a divisão de tarefas. Em casa, enquanto ele pilota o fogão, ela cuida da limpeza. Nos ares, um controla a direção do avião ao mesmo tempo em que o outro monitora dados como altitude, rota e velocidade. “Eles compartilham responsabilidades no comando da cabine. E são, de fato, entrosados”, diz o fotógrafo de aviões Ricardo Beccari, amigo do casal.
A escolha das tarefas de voo é democrática. “Mas, se tem um passageiro diferente, fazemos questão que eu vá voando”, diz Soraia. “É para tirar um pouco a visão de que só tem comandante homem na aviação executiva”, conta ele. Os donos da aeronave, dois jovens empreendedores, incentivam o casal.
Com mais horas de voo, foi Patrick quem deu, no início, dicas a Soraia. “Hoje a gente se ensina, o tempo inteiro”, diz ele. Mas a divisão de comando nem sempre é compreendida do lado de fora. “Às vezes, estou eu e ela e perguntam para mim: ‘Quanto vai de combustível (para abastecer o avião)?’. Eu digo: ‘Pergunta para a comandante. O voo é dela’.”
Entre um pouso e uma decolagem, o que mais ouvem é se não vão brigar lá em cima. “É justamente o contrário”, diz Soraia. A chance de dialogar, dizem, ajuda a aparar arestas. Durante o voo, anotam pontos sobre o companheiro para colocar em pratos limpos depois. “Na tripulação masculina, cada um vai para seu quarto de hotel e não conversa. As críticas viram mágoas”, diz Patrick.
Novos tempos
Do tempo em que os casais funcionavam de outro jeito, Maria Izabel Pereira, de 72 anos, mãe de Patrick, elogia a sintonia da dupla e o protagonismo compartilhado. “Ainda bem que mudou bastante. Mulher antigamente nem votava, agora está até voando.”
Quando o filho começou o namoro, a aposentada viu que era para valer. “Ele sempre sonhou com isso, desde pequeno. Aí conheceu a Soraia, que toda vida também gostou de avião… Juntou a fome com a vontade de comer.” Apesar dos convites, Maria Izabel nunca voou com o casal por medo de altura, mas conhece detalhes do painel, das rotas de voo e pedidos de permissão para pouso, só de ver pelo Instagram.
Fotos e vídeos da aeronave entre nuvens e do céu colorido no pôr do sol encantam os seguidores. E, mesmo a dupla, que passa tanto tempo no ar quanto na terra, se rende à paisagem. “Nunca me acostumo. Sempre paramos para contemplar”, diz ela. “E temos consciência de que somos privilegiados por poder fazer isso. E juntos.”
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