A força-tarefa da Operação Lava Jato apontou ao juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio, um ‘braço de contrainteligência da organização criminosa liderada por Michel Temer e atuação pessoal dele contra as investigações’. O ex-presidente foi preso nesta quinta-feira (21), na Operação Descontaminação, desdobramento da Lava Jato.
“A organização criminosa comandada por Temer tinha constante e ativo direcionamento de esforços no sentido de monitorar, impedir (por meio de subtração de documentos) e confundir (pela produção de documentos) as investigações”, afirma a Lava Jato.
A PF cumpre um total de oito mandados de prisão preventiva e dois de custódia temporária, 26 de busca e apreensão nos Estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Paraná e no Distrito Federal.
Bretas mandou prender por tempo indeterminado o coronel reformado da Polícia Miliar João Baptista Lima Filho – o coronel Lima -, de sua mulher de Maria Rita Fratezi, dos empresários Carlos Alberto Costa, Carlos Alberto Costa Filho, Vanderlei de Natale e Carlos Alberto Montenegro Gallo. O juiz ainda decretou as custódias temporárias de Rodrigo Castro Alves Neves e Carlos Jorge Zimmermann.
A contrainteligência
Segundo o Ministério Público Federal, Temer e seus aliados praticaram atos para ‘dificultar o andamento das investigações’.
Os procuradores citaram o ‘monitoramento do avanço das investigações, com um braço da organização criminosa cuidando de aspectos de contrainteligência, com a finalidade de que, conforme as investigações avancem, sejam produzidos documentos falsos com o intuito de despistar as últimas descobertas investigatórias, sejam destruídas provas e apagados rastros que levem ao desvendamento das ações criminosas, bem como sejam assediadas testemunhas e coinvestigados que pudessem vir a ser colaboradores da Justiça, inclusive com pagamento de propina’.
A Lava Jato apontou que ‘a organização criminosa liderada por Michel Temer possui um aparato próprio para acompanhar o andamento das investigações e produzir informações falsas de acordo com o caminho que elas apontassem’.
De acordo com a investigação, ‘a organização criminosa conta com um serviço de contrainteligência destinado a dificultar as investigações’.
“Tal serviço era também chefiado pelo braço direito de Michel Temer, Coronel Lima, que contava com a experiência, decorrente de sua formação policial, que lhe permitia desempenhar essa atividade”, descreveu o Ministério Público Federal.
Acompanhamento das investigações
Os procuradores citaram um relatório da Polícia Federal que analisou um material apreendido durante buscas contra o coronel Lima e que ‘chamou atenção o nível de organização e acompanhamento dos investigados sobre os avanços das investigações’.
O documento apontou o ‘detalhamento das anotações’ e o ‘cuidado empregado no acompanhamento das investigações, inclusive, na tentativa de se ocultar provas dos atos realizados pelo grupo’.
De acordo com o Ministério Público Federal, o relatório ‘mostra que havia vigilância da organização criminosa de quem eram os policiais que estavam atuando na investigação’.
A força-tarefa da Lava Jato relatou a Marcelo Breta um documento digital apreendido ‘que mostra a organização acompanhando um relatório de análise elaborado em sede policial’.
“Foram encontrados documentos nos endereços alvos de busca e apreensão judicialmente autorizados, em que eram identificados detalhes dos policiais e autoridades policiais envolvidos nas investigações, tais como Cleyber Malta Lopes, Cláudio José de Assis Castro e Paulo Marciano Cardoso, além de outros aspectos da investigação”, relatou a Procuradoria.
Outro aspecto que chamou a atenção da Lava Jato foi ‘o cuidado com qualquer informação que seja sensível às investigações’. Segundo os investigadores, empresa Argeplan, controlada pelo coronel Lima, ‘teve diversos documentos subtraídos de seu escritório, e começou a passar por um processo de limpeza diário da atividade de alguns dos integrantes da organização criminosa’.
A Procuradoria de República relatou que ‘vários documentos foram encontrados em compartimentos secretos, cômodos não usuais para se guardar tais documentos (quarto de bebê, na residência de Costa), compartimento internos de closet (apartamento de Lima), assim como alguns escritórios da Argeplan, de uso dos investigados, aparentemente passavam por processo de ‘limpeza’ diária de atividades de alguns investigados (escritório de Costa Filho, o ‘Guga’)’.
“Embora relutantes em colaborar com a equipe policial, um funcionário relatou à equipe de policiais que desde a deflagração da Operação Patmos, em maio/2017, Costa Filho costuma manter a sala nesse estado, limpa. Segundo o funcionário, ele rotineiramente chega para trabalhar com notebook, documentos e recolhe tudo diariamente, deixando sempre a sala vazia, assim como encontrada na ocasião das buscas”, informou um relatório da PF.
Documentos fraudados
Ao juiz da Lava Jato, a Procuradoria narrou que o serviço de contrainteligência, além de ‘monitorar as investigações e subtrair documentos comprometedores’, produzia ‘documentos fraudados’ para despistar as investigações.
Os procuradores citou um documento denominado ‘9ª’, com alteração contratual em nome da AF Consult em que a empresa Argeplan transfere a totalidade de sua participação societária para a AF Consult – Switzerland LTDA, no valor de R$ 939.013,00′.
“O documento é datado de 7 de março de 2018, poucos dias antes das buscas decorrentes da Operação Skala, em 29 de março de 2018”, narrou a Lava Jato.
“Tudo indica que este documento tem como finalidade tentar livrar os membros da organização criminosa dos núcleos político e financeiro de qualquer culpa pelos crimes cometidos, tentando imputar somente a Roberto Gerosa as irregularidades cometidas. Provavelmente a produção deste documento se deu após o setor de contrainteligência ter informações do estado das investigações envolvendo as empresas mencionadas.”
A Lava Jato afirmou que colado ao documento havia um ‘post-it em que, escrito à mão’. No anverso estava escrito ‘ata que comprova que o Roberto Gerosa adm AF sozinho’ e no verso, “Quem responde pela AF Consult do Brasil é o Carlos e mais ninguém’.
“Além disso, em outro documento, também com anotações à mão em post-it os investigados denotam preocupação e incômodo com questionamentos acerca da relação entre coronel Lima e Temer, com receio também de se tentar saber o conteúdo do que conversam. Nele está escrito, em observação, ‘Obs: Será que irão (atrevimento!) interrogar Sobre a natureza dos assuntos tratados c/ PRESIDENTE?'”, narrou a Lava Jato.
Segundo os investigadores, havia ainda ‘um documento que demonstra uma versão construída para os fatos que surgiram após a Operação Patmos’.
“A redação traz repetidamente o nome de Lima seguido de informações sobre o conhecimento ou não de certos indivíduos, sobre documentos apreendidos na Operação Patmos, sobre seu relacionamento com Michel Temer e empresas como Rodrimar, Engevix, Argeplan, PDA e, ainda, sobre o apartamento duplex da Rua Itajara”, afirmou o Ministério Público Federal.
“Neste mesmo documento há um interessante tópico “valor recebido por Lima entregue por Florisvaldo” (lembrando-se que Florisvaldo era um operador financeiro da J&F, que pagou propina ao coronel Lima). Como resposta a este tópico havia a frase “Argumentos de defesa estão sendo construídos”.”
Atuação pessoal
A Lava Jato destacou ainda ‘atuações pessoais e decisivas’ para impedir as investigações. O Ministério Público Federal citou o ‘encontro clandestino’ entre Michel Temer e Joesley na noite de 7 de março de 2017 no Palácio do Jaburu.
“Trata-se de conduta tão grave de tentativa de influir na instrução criminal que, além de eventual prisão preventiva decorrente de se atrapalhar a instrução de uma investigação, o ordenamento jurídico ainda o tratou como tipo penal próprio, especificamente na Lei nº 12.850/13, em seu art. 2º, par. 2º, no que se convencionou chamar de crime de obstrução de Justiça”, afirmou a força-tarefa.
Os procuradores relataram outra suposta tentativa de Michel Temer de ‘embaraçar o desenrolar das investigações’. A Lava Jato afirmou que o ex-presidente ‘cadastrou em seu nome um número fixo de telefone, sendo que a cobrança era enviada ao endereço em que estão registradas as empresas AF Consult Brasil (investigada por receber verba pública em peculato) e a empresa PDA (investigada por compor a rede de lavagem de ativos da organização criminosa)’.
“Este número permaneceu vinculado a este endereço por um longo período, desde 11 de junho de 2001. Ou seja, durante todo o período investigado dos atos criminosos cometidos o número permaneceu cadastrado no endereço destas empresas ligadas aos crimes investigados. Entretanto, em 8 de setembro de 2017, ou seja, apenas alguns meses após a deflagração das investigações envolvendo as obras em Angra dos Reis, em que estavam envolvidas estas empresas, Michel Temer pede o cancelamento desta linha telefônica, com o fim da vigência do cadastro”, narrou a Lava Jato.
“Trata-se, portanto, de mais uma postura ativa e pessoal (diretamente ou a seu mando) de procurar atrapalhar as investigações, sendo que, isto como tudo o que se narrou acima, também fundamentam a decretação de prisão preventiva de Michel Temer pela conveniência da instrução processual.”
Entenda a investigação contra Michel Temer
A ação que prendeu Temer e seus aliados é decorrente da Operação Radioatividade, que mirou um esquema de cartel, corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais e fraudes à licitação que atuou na construção da usina nuclear de Angra 3.
A nova investigação apura pagamentos ilícitos feitos por determinação do empreiteiro José Antunes Sobrinho, ligado à Engevix, para ‘o grupo criminoso liderado por Michel Temer, bem como de possíveis desvios de recursos da Eletronuclear para empresas indicadas pelo referido grupo’.
A Lava Jato identificou um ‘sofisticado esquema criminoso para pagamento de propina na contratação das empresas Argeplan, AF Consult Ltd e Engevix para a execução do contrato de projeto de engenharia eletromecânico 01, da usina nuclear de Angra 3’. O Ministério Público Federal afirmou que a Argeplan, de coronel Lima, ‘participou do consórcio da AF Consult LTD, vencedor da licitação para a obra da Usina Nuclear de Angra 3, apenas para repassar valores a Michel Temer’.
Segundo a Procuradoria, a AF Consult do Brasil e a Argeplan não tinham pessoal e expertise suficientes para a realização dos serviços, e, por isso, houve a subcontratação da Engevix. No curso do contrato, conforme a investigação, coronel Lima solicitou ao sócio da empresa Engevix o pagamento de propina, em benefício de Michel Temer.
A Lava Jato destaca que a propina foi paga no final de 2014 com transferências totalizando R$ 1,91 milhão da empresa da Alumi Publicidades para a empresa PDA Projeto e Direção Arquitetônica, controlada pelo coronel Lima.
Para justificar as transferências de valores foram simulados contratos de prestação de serviços da empresa PDA para a empresa Alumi.
O empresário que pagou a propina afirma ter prestado contas de tal pagamento para o coronel Lima e para Moreira Franco.
As investigações apontaram que os pagamentos feitos à empresa AF Consult do Brasil ensejaram o desvio de R$ 10, 859 milhões, ‘tendo em vista que a referida empresa não possuía capacidade técnica, nem pessoal para a prestação dos serviços para os quais foi contratada’.
De acordo com a Lava Jato, o esquema ‘praticou diversos crimes envolvendo variados órgãos públicos e empresas estatais, tendo sido prometido, pago ou desviado para o grupo mais de R$ 1,8 bilhão.
A investigação aponta que diversas pessoas físicas e jurídicas usadas de maneira interposta na rede de lavagem de ativos de Michel Temer continuam recebendo e movimentando valores ilícitos, além de permanecerem ocultando valores, inclusive no exterior.
Os procuradores afirmam que ‘quase todos os atos comprados por meio de propina continuam em vigência e muitos dos valores prometidos como propina seguem pendentes de pagamento ao longo dos próximos anos’.
Segundo a força-tarefa, as apurações também indicaram uma espécie de braço da organização, especializado em atos de contrainteligência, a fim de dificultar as investigações, tais como o monitoramento das investigações e dos investigadores, a combinação de versões entre os investigados e, inclusive, seus subordinados, e a produção de documentos forjados para despistar o estado atual das investigações.
O Ministério Público Federal requereu a prisão preventiva de alguns dos investigados, pois, todos esses fatos somados apontam para a existência de uma organização criminosa em plena operação, envolvida em atos concretos de clara gravidade.
Defesa
O advogado Eduardo Carnelós, que defende Michel Temer, afirmou que a prisão do ex-presidente ‘é uma barbaridade’.
“A prisão do ex-Presidente Michel Temer, que se deu hoje, constitui mais um, e dos mais graves!, atentados ao Estado Democrático e de Direito no Brasil.
Os fatos objeto da investigação foram relatados por delator, e remontam ao longínquo 1° semestre de 2014. Dos termos da própria decisão que determinou a prisão, extrai-se a inexistência de nenhum elemento de prova comprobatório da palavra do delator, sendo certo que este próprio nada apresentou que pudesse autorizar a ingerência de Temer naqueles fatos.
Aliás, tais fatos são também objeto de requerimento feito pela Procuradora-Geral da República ao STF, e o deferimento dele pelo Ministro Roberto Barroso, para determinar instauração de inquérito para apurá-los, é objeto de agravo interposto pela Defesa, o qual ainda não foi julgado pelo Supremo.
Resta evidente a total falta de fundamento para a prisão decretada, a qual serve apenas à exibição do ex-Presidente como troféu aos que, a pretexto de combater a corrupção, escanecem das regras básicas inscritas na Constituição da República e na legislação ordinária.
O Poder Judiciário, contudo, por suas instâncias recursais, haverá de, novamente, rechaçar tamanho acinte.
Eduardo Pizarro Carnelós”
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