A índia Kajutiti Lulu Kamayurá, de 20 anos, se manifestou pela primeira vez desde as acusações polêmicas contra a atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Indígenas da aldeia Kamayurá, localizada no centro da reserva indígena do Xingu, no norte do Mato Grosso, afirmaram à revista Época que Damares Alves levou a jovem, à época com seis anos, irregularmente da tribo.
Damares apresenta Lulu como sua filha adotiva, mas a adoção nunca foi formalizada legalmente, conforme a própria ministra já admitiu em entrevista à TV Globo.
Lulu foi objetiva ao dizer, em entrevista ao UOL, que sua relação com Damares Alves foi marcada por “amor à primeira vista”. “Ela se apaixonou por mim e depois eu por ela. O resto é tudo mentira”, afirmou.
Apesar do receio em conceder a entrevista, Lulu destacou que deixou a aldeia, aos seis anos, para realizar um tratamento dentário em Brasília, com autorização de seus pais biológicos. Ela foi levada por Márcia Suzuki, que fazia trabalh voluntário no local, e disse que sofria com problemas de saúde na época. Na capital federal, Lulu conheceu Damares e se “apaixonou”. Cerca de três anos depois, mudou-se para a casa da atual ministra.
Ainda segundo Lulu, houve autorização para que Damares a levasse para casa. Dois irmãos dela também teriam se mudado para Brasília e os pais iam frequentemente até o local.
Hoje, Lulu afirma que foi “salva” por Márcia e Damares. Ela negou as alegações de que teria sido retirada da aldeia de forma irregular e lamentou o assédio da imprensa.
Entenda o caso
Segundo os índios da aldeia Kamayurá, Lulu deixou a aldeia levada pela amiga e braço direito de Damares, Márcia Suzuki, sob o pretexto de fazer um tratamento dentário na cidade, mas nunca mais voltou. Márcia fundou, junto com Damares, a ONG Atini, cuja bandeira é salvar crianças indígenas do infanticídio. “Márcia veio na Kuarup (festa tradicional em homenagem aos mortos), olhou os dentes todos estragados (de Lulu) e falou que ia levar para tratar”, contou Mapulu, pajé kamayurá e irmã do cacique.
Em resposta a questionamentos da revista ‘Época’, a ministra afirmou que a família biológica da filha adotiva a visita regularmente. Perguntada porque a criança não voltou à aldeia após o tratamento dentário, Damares disse que Lulu retornou ao Xingu para visitas. “Ela deixou o local com a família e jamais perdeu o contato com seus parentes biológicos.” Os índios, por sua vez, dizem que a primeira visita de Lulu só aconteceu há cerca de dois anos. A questão sobre não ter adotado formalmente a menina foi ignorada pela ministra.
Segundo a revista, para estar de acordo com a lei, a adoção de uma criança indígena precisa passar pelo crivo da Justiça Federal e da Justiça comum. A adoção, ou mesmo a guarda ou a tutela, também dependem do aval da Funai. No processo, uma equipe de estudos psicossociais deve analisar se há vínculos entre a criança e o adotante e se a família mais extensa corrobora a adoção. No caso dos indígenas, deve ser ouvida a aldeia.
Os relatos dos índios contam que a mãe biológica da criança não tinha condições de cuidar dela e que Piracumã, o tio da menina, teve a ideia de deixá-la aos cuidados da vó paterna, Tanumakaru. A aldeia, no entanto, sofria com escassez de comida e remédios, e Lulu chegou a ficar desnutrida. À época, chegou a ser levada de avião por servidores que cuidam da saúde dos indígenas na região. Depois se recuperou, mas ficou com a dentição torta pelo uso de mamadeira.
“Chorei, e Lulu estava chorando também por deixar a avó. Márcia levou na marra. Disse que ia mandar de volta, que quando entrasse de férias ia mandar aqui. Cadê?”, disse, em tupi, a avó, hoje quase octogenária. Questionada sobre se sabia, no momento da partida de Lulu, que ela não mais retornaria, respondeu: “Nunca”.
Em diversas ocasiões, a ministra fez críticas aos costumes indígenas. Em 2013, em um culto, Damares disse que além de Lulu ter sido salva do infanticídio e ter sido maltratada pela miséria dos kamayurás, a menina seria escrava do próprio povo.
As acusações de infanticídio e maus-tratos feitas pela ministra são rebatidas pelos kamayurás. “Quem sofreu mesmo, quem ficava acordada fazendo mingau, era a vovó Tanumakaru, não a Damares. Ajudei a buscar leite nessa época”, disse a pajé Mapulu.
Os índios, porém, não negam que sacrificavam crianças no passado No caso de Lulu, foi Piracumã, o tio da criança, quem insistiu para a mãe não enterrar o bebê. “Antigamente, tinha o costume de enterrar. Hoje, a lei mudou”, completou Mapulu.
Damares Alves é acusada de sequestro infantil por filha levada irregularmente
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