“Sua barriga está muito pequena, o bebê não vai crescer bem”, “Seu leite deve ser fraquinho”, “Na minha época, os filhos comiam papinha desde os primeiros meses”.
Frases como essas são ditas sem cerimônia para gestantes e aquelas que vivem os primeiros anos de cuidados com as crianças. No entanto, o que parece ser uma atitude cheia de boas intenções promove insegurança, irritabilidade e sofrimento para a mãe.
Cristina de Lima tem uma filha de um ano e dez meses. Desde que a pequenina nasceu, ela teve de enfrentar críticas dentro e fora de casa. “Palpite sobre amamentação sempre foi a parte que mais me irritou. Meu marido achava que me dava muito trabalho, que a amamentação estava me estressando. Ele dizia: ‘Dê fórmula. Ela não vai morrer se tomar fórmula’. E eu ficava chateada porque eu estava me esforçando. Algumas amigas que também amamentavam davam apoio, mas levantando a bandeira de que a fórmula é a pior coisa do mundo”, desabafou.
O termo ‘mom-shaming’ sintetiza as opiniões e palpites que pessoas próximas à mãe dão, mesmo sem ser solicitados. Normalmente partem de gente que se considera mais experiente na maternagem ou que tenha tido mais êxito do que os outros.
No período da introdução alimentar, Cristina lembra de como era a relação dela com a sogra. “Para minha sogra, com quatro meses minha filha já deveria estar comendo. Ela falava: ‘Credo! Com meus filhos, com quatro meses, eles já tomavam sopa na mamadeira’. E eu respondia: ‘Pode ter sido assim na época deles ou assim que você fez, mas minha filha só vai comer com seis meses, como o médico recomendou’. E minha sogra achava o fim do mundo”, recorda. “Hoje, ela percebe que minha filha come bem, elogia e tal, mas não se lembra que está muito associado à introdução alimentar, que ela sempre teve uma variedade de texturas e sabores. Não foi aquela sopa rala, líquida, que ela nem sabe o que está comendo”, avalia Cristina.
Mãe da Maria Fernanda, de quase três anos, Maria Carolina de Sá Martinkovivc recebeu cobranças a respeito do parto normal: “Notei uma cobrança tácita para que o parto fosse normal. Infelizmente, após 18 longas horas, tive que ser levada para a sala de cirurgia para realizar uma cesárea às pressas. Os pitacos são inúmeros, velados ou não. Há sempre uma história do filho da prima de alguém para inserir nos contextos das nossas vidas. Como lavar as roupinhas, como colocar a criança para dormir, como e quando desmamar, opções de escolas e por aí vai.”
Maria Carolina admite que já se sentiu fragilizada e acatou muitas ‘famosas dicas’. Ela recorda uma situação que viveu com familiares: “Quando a minha pequena começou a andar, caiu de cara no chão e teve que dar um pontinho no nariz. Um familiar comentou com outro: ‘A Carol estava com tanto medo da menina cair, que ela atraiu essa situação’. Meus caros amigos, ser mãe é um lidar constante com incertezas”, desabafa.
Palpites começam desde cedo
Todo mundo que dá palpite para a mãe está com boas intenções? Não necessariamente. Relações entre avós e mães, sogras e noras, por exemplo, podem estar carregadas de rivalidade. A relação a dois também está repleta de emoções novas, como a perda de identidade do casal.
E o emissor do palpite sempre tem uma espécie de compensação emocional. “Todo comportamento tem um ganho. Se a avó vai ensinar a filha como ser mãe, por exemplo, pode querer demonstrar que deu uma boa criação. Quem dá opinião sempre busca resultado positivo, que normalmente é positivo para ele mesmo”, analisa o psicólogo Romanni Souza, criador da Hipnose Transformacional.
A mulher é alvo do ‘mom-shaming’ já na gestação. O obstetra Paulo Pontremolez acompanha essa realidade de perto durante o pré-natal. Segundo o médico, na consulta, não é raro alguns acompanhantes dizerem algumas frases inadequadas. “Já ouvi: ‘Nossa, sua barriga não tá legal, está esquisita’, ‘Não tá pegando muito peso, seu bebê não vai crescer’, ‘Sua mama não tá cheia, não vai conseguir dar peito’, ‘Você não vai conseguir fazer o parto normal’. É preciso ter cuidado para corrigir sem ofender. Entendo que as pessoas querem ajudar. Mas eu aproveito o momento em que a gestante está mais sozinha no exame para esclarecer pontos como a inexistência de leite fraco, por exemplo. Sempre digo que ela será a melhor mãe que puder ser”, relata Paulo Pontremolez.
Ana Carolina Cassola Barbieri, está grávida de 23 semanas da Giovana. Ainda não ouviu muitas críticas, mas confessa que fica insegura sobre os conselhos para compra do enxoval. “As pessoas dão dicas que podem ajudar, mas isso pode gerar insegurança e ansiedade, ‘nossa, preciso comprar um monte de coisa’. Mesmo para o chá de bebê, me senti completamente perdida. Foi legal, mas fiquei apreensiva. Meu Deus, tem coisas que nem sei pra que serve. Será que preciso mesmo disso?”, reflete.
O que sentem as mães aos serem criticadas?
O ‘mom-shaming’ pode provocar diversos efeitos para a mãe. Os principais sentimentos são insegurança, frustração e raiva. “Eu sempre fui muito segura quando minha filha era bebê e do que eu queria para ela. As opiniões não me deixavam insegura, mas irritavam. Se a mãe já é insegura de alguma maneira, aquele conselho só vai atrapalhar. Também pode causar atrito entre amigas, mães e sogras ou entre pais e primos. Muita gente opinando sem a mãe querer causa muito estresse. E a mãe não precisa desse estresse”, desabafa Cristina.
“A maternidade é um baú de inseguranças. Nos deparamos com medos e incertezas a partir do momento que temos a notícia da gravidez. O que comer, quando comer….tudo isso influencia na vida do bebê, viu?”, avalia Maria Carolina.
O psicólogo Romanni Souza lembra que a gestação e o puerpério são os períodos mais sensíveis para a mãe. “O emocional dela já está mais sensível no início, fica mais irritada. A frase: ‘Você deve fazer isso’ nunca é uma ‘sugestão’. Soa como imposição, ordem.
Como mulheres podem se proteger do ‘mom-shaming’?
Ao colocar em discussão o conceito ‘mom-shaming’, não conseguimos ajudar as mulheres que já passaram pelo problema. Talvez elas consigam refletir melhor sobre opiniões antigas e que não faziam sentido. Ou que, se algo ‘deu errado’, a culpa não necessariamente foi dela. No entanto, para as futuras mamães ou quem está vivendo esse momento da maternidade, algumas dicas citadas por Romanni Souza podem ser preciosas para elas:
– Selecionar uma ‘Liga da Justiça’, ou seja, pessoas com as quais ela pode desabafar sobre a privação do sono ou amamentação, por exemplo, sem ser julgada;
– Dizer frases como ‘Nossa, meu filho não está dormindo direito e passou a noite em claro’ faz com que o ouvinte pense que a mãe está pedindo sua opinião;
– Se você não reclamar com as pessoas que dão palpites indesejados, eles não acontecerão;
– Evite tocar em assuntos que te deixam insegura com pessoas que você sabe que podem dar algum conselho inadequado.
Para além dessas dicas, não se posicionar sobre uma crítica ou palpite também não é saudável. Ao começar a viver a experiência da maternidade, a mulher não conseguirá se blindar de comentários alheios. Ignorar pode perpetuar o comportamento do outro. O melhor caminho, se possível, é argumentar, colocando em evidência o seu desejo em relação ao próprio filho.
A psicoterapia é uma boa companheira para aqueles que querem desabafar e entender melhor essa fase da vida. E sem ser alvo de julgamentos.
O que não dizer para as mães
É possível evitar o ‘mom-shaming’, desde que haja um pouco de empatia por parte daqueles que fazem parte da rede de apoio da gestante e das mamães de bebês.
Fizemos uma lista de frases que são ditas à revelia, muitas têm conceitos errados do ponto de vista científico, e devem ser evitadas:
“Sua barriga está pequena e o seu bebê pode não crescer muito”;
“Sua barriga está muito grande e a criança pode ser obesa”;
“Se você não passou pelo ritual do parto normal, será menos mãe”;
“Você é muito miudinha, duvido que conseguirá fazer o parto normal”;
“Você já tem uma certa idade, já é mais velha, talvez seja melhor fazer cesárea”;
“Se não está conseguindo amamentar, é porque não está se esforçando”;
“Acho que seu leite é fraquinho para o neném”;
“Se você não conseguir amamentar exclusivamente no seio, terá fracassado”;
“Desista de amamentar no peito, você não é capaz. Dê logo ‘fórmula'”;
“Seu bebê chora muito. Não será cólica? Não será fome?”, etc;
“Seu bebê chora muito e está ficando mimado”;
“Você colocou babá para tomar conta do seu filho? Por que quis ser mãe, então?”;
“Você tem coragem de deixar seu filho na escola o dia inteiro e ir trabalhar?”.
E, para os ‘palpiteiros de plantão’, as mães ouvidas pela reportagem mandam recados. “Se você não é mãe, não dê opinião. Porque você só vai entender como a coisa funciona, que a maternidade tem muito mais detalhes e é muito mais difícil do que imagina, depois que tiver um filho. E o que vale para todos, até quem é mãe: Só fale se os pais pedirem opinião. Se eles fizerem isso, dê sua opinião sincera”, aconselha Cristina de Lima.
Para tudo na vida existe uma maneira de falar mais adequada. No lugar de dar opinião ou impor seu ponto de vista, você pode explicitar palpite para a mãe fazendo sugestões como: ‘Você acredita que seria melhor fazer assim?’ ou ‘Posso sugerir uma coisa?’. Cada indivíduo tem suas particularidades. É assim com adultos, mamães ou não, e com os bebês que também são diferentes uns dos outros. A empatia ainda é o melhor caminho.
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