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Nada de médicos: brasileiro prefere pesquisar sobre saúde e doenças no Google

Apesar de a internet ajudar nas informações, o hábito pode trazer vários riscos à vida do usuário

Em seu consultório, as queixas mais comuns dos pacientes são dor de garganta, resfriado, alergia e tosse, mas vem crescendo o número de pessoas que buscam respostas para quadros de ansiedade e depressão. Alguns doentes dizem ter recebido o diagnóstico correto graças as informações passadas por ele. Outros reclamam de que suas hipóteses são alarmistas e levam a um pânico desnecessário frente a qualquer sintoma. Dr. Google, como vem sendo chamado, não é formado em Medicina nem sequer humano, mas 26% dos brasileiros recorrem primeiramente a ele ao se deparar com um problema de saúde.

As conclusões são de uma pesquisa do Google sobre como os brasileiros pesquisam e consomem conteúdo de saúde na plataforma de busca e no YouTube, site pertencente ao mesmo grupo. O levantamento, obtido com exclusividade pelo Estado, revela que o Brasil é o País em que as buscas referentes à saúde mais cresceram no mundo no último ano. A alta também foi maior do que a média de buscas em outras categorias dentro do Brasil. Enquanto as pesquisas de saúde cresceram 17,3%, as de cuidados com cabelos aumentaram apenas 3%. As de maquiagem caíram 4%.

O índice de brasileiros que buscam o Google como primeira fonte de informação em casos de problemas de saúde já chega próximo ao dos que buscam imediatamente um médico. São 26% que têm o mecanismo de busca como primeira opção, contra 35% que recorrem a um médico.

“Mais de 70% da população brasileira não tem plano de saúde, a maioria não tem acesso à dentista, mas essa população é sedenta por informação. Na falta de acesso ao sistema de saúde, o brasileiro recorre muito à internet para tentar solucionar seus problemas. A internet acaba sendo um dos únicos recursos para as classes C, D e E”, diz Fabiana Kawahara, gerente de Insights e Analytics do Google Brasil. De fato, enquanto apenas 25% dos brasileiros têm plano de saúde, cerca de 79% está conectado à internet.

O cenário, ao mesmo tempo que ajuda a democratizar a informação e empoderar o paciente, traz também riscos e prejuízos. Com o alto volume de informação que circula pelas redes, parte dela incorreta ou exagerada, o aumento nas buscas de saúde leva alguns brasileiros a adotarem práticas ou tratamentos sem evidência científica, divulgados em sites ou vídeos. Outro problema é o surgimento dos chamados cibercondríacos, condição em que a pessoa, a partir de informações da internet, fica obsessiva ou angustiada com a ideia de ter uma doença grave.

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A terapeuta integrativa Andréa Lopes, de 45 anos, conhece bem o lado bom e o ruim da utilização dessa ferramenta. Por um lado, conseguiu graças às pesquisas feitas na web antecipar um diagnóstico de doença celíaca. Por outro, se assusta com as possibilidades de evolução da doença ao ler sobre ela nos sites indicados pelo Google.

“Quando passei mal e fui ao pronto-socorro, ninguém me deu um diagnóstico e, como dependo do SUS, tive que esperar alguns meses até a consulta com o especialista. Pesquisando no Google e em grupos do Facebook, comecei a ver os sintomas e me identificar com o caso. Já mudei minha alimentação porque se fosse esperar a confirmação do diagnóstico, poderia ter outras reações graves”, conta ela, que teve a doença detectada oficialmente por um médico cerca de um ano depois dos primeiros sintomas. “Com a ajuda da internet, de certa forma eu antecipei meu tratamento e a prevenção”, diz.

Agora, porém, ela enfrenta o lado angustiante de ter informação à mão. “Pessoas com doença celíaca têm risco maior de ter outras doenças, como esclerose múltipla, então eu tento não ficar procurando muito sobre isso para não me desesperar. Coloco bem o pé no chão e, se tenho alguma dúvida, anoto para confirmar com a minha médica”, conta Andréa.

Para especialistas médicos e do próprio Google, a produção de conteúdo de saúde de qualidade para a internet é a melhor forma de combater os sites com informações erradas ou imprecisas. Foi pensando nisso que o ortopedista Rodrigo Calil, de 40 anos, e outros dois colegas que cursaram Medicina na mesma época na USP, resolveram criar um canal no YouTube para explicar de forma simples os principais sintomas e doenças. Inaugurado em 2016, o Doutor Ajuda! tem mais de 350 mil inscritos. “A ideia veio com a observação da quantidade de pacientes que chegavam ao consultório com informações de sites sensacionalistas, completamente equivocadas, enquanto o mais básico, sobre sintomas cotidianos, eles não sabiam. Era preciso fazer um conteúdo bem embasado, mas com linguagem acessível ao paciente”, afirma Calil. “Mas, apesar disso, sempre deixamos claro que nenhuma informação substitui uma consulta médica”, destaca.

A linguagem acessível de alguns conteúdos da internet e a abundância de informações sobre um tema são fatores que acabam levando os pacientes a buscarem mais o Google do que o consultório. “Já fui em médico que faz a consulta bem rápida. Só passa o remédio e nem explica nada. Daí a gente acaba recorrendo ao Google para ter mais informação”, diz o biólogo Ricardo Gonçalves Montera, de 32 anos, que sofre de tendinite no joelho e, embora faça tratamento com um especialista, usa a internet para buscar exercícios físicos indicados para o seu caso e outros métodos analgésicos.

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Montera diz que, embora use o mecanismo de busca com frequência para questões de saúde, tem o cuidado de consultar apenas bases confiáveis ou científicas. “Como eu sou da área da saúde, acabo buscando artigos científicos, bases de dados como Scielo e PubMed ou veículos de imprensa confiáveis”, conta.

Corregedor do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Fernando Vinagre afirma que, da parte do internauta, é importante checar se a fonte é confiável. Mas cabe ao médico também, diz ele, sempre estabelecer uma relação de confiança e empatia com o paciente para que ele confie no profissional e não acredite em qualquer informação veiculada nas redes. “E para os médicos que produzem conteúdo para a internet, há normas éticas a serem seguidas também, como sempre publicar seu nome completo e o número do CRM, para que o espectador tenha como checar sua formação, e não fazer autopromoção nem publicidade”, diz.

Também preocupado com a qualificação das informações em saúde, o Google Brasil tem apostado em parcerias com instituições reconhecidas no setor. Em 2016, se aliou ao Hospital Albert Einstein para produzir fichas com informações sobre causas, sintomas e tratamento de diversas condições de saúde que aparecem com destaque na primeira página da busca do termo. Após três anos da parceria, já são mais de mil verbetes com explicação. “Também temos parceria com a Fiocruz para qualificação de informações sobre epidemias, bases de dados de saúde e deveremos ampliar as parcerias em 2019. O Google percebe a responsabilidade que tem e tenta garantir que quem está dando a resposta tenha gabarito para isso”, diz Luciana Cordeiro, gerente de Parcerias de Produto do Google Brasil.

Paciente teve crise de ansiedade após busca

Acostumada a consultar todo tipo de informação na internet, a atendente de loja Karina Leite, de 22 anos, já teve de ser levada às pressas a um pronto-socorro com crise de ansiedade, após consultar as supostas consequências de uma doença. A jovem conta que, aos 13 anos, foi diagnosticada com síndrome do ovário policístico. Na época, como era muito nova, a médica optou por não prescrever medicamentos e Karina não iniciou nenhum tratamento.

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Aos 21 anos, com acesso mais fácil à internet, Karina decidiu pesquisar o que significava aquela condição. “Procurei no Google e achei sites falando que a doença não tinha cura e deixava a mulher infértil. Quando pensei que nunca poderia ter um filho, comecei a chorar muito e comecei a ter uma crise de ansiedade”, conta ela. “Eu tremia toda, me deu cãibra no corpo inteiro e sentia muita dor nas pernas”, diz ela.

A atendente foi levada pela mãe ao hospital, onde recebeu um medicamento calmante e apagou. Saiu de lá na manhã seguinte, assustada com o efeito de uma “simples busca na internet”. Meses depois, conseguiu uma consulta com uma especialista e foi informada que a síndrome tinha tratamento.

Embora esse tenha sido o episódio mais grave, Karina já passou por outras angústias ao verificar sintomas na internet. “Já pesquisei sobre dor de cabeça e falava que era tumor. Fiquei preocupada. Na época que tive a crise, acho que eu era meio cibercondríaca, sim, mas hoje tento não confiar em tudo que aparece na internet”, diz.

Para o psiquiatra Rodrigo Leite, coordenador dos ambulatórios do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, a cibercondria é uma “nova roupagem” para transtornos já existentes, em que há excessiva preocupação com o corpo ou com o possível aparecimento de doenças. “Esse comportamento pode vir acompanhado de dependência de internet.”

De acordo com o médico, esse apelo a buscar respostas para questões de saúde na internet está relacionado, em alguns casos, à falta de confiança em profissionais de saúde. “A experiência do adoecimento traz muita insegurança e nem sempre o paciente tem garantia que será bem acolhido, por isso ele apela para a internet, para tentar se proteger, se informar, suprir um vazio”, diz Leite.

Ele ressalta que o uso exagerado da ferramenta é exceção e muitas pessoas têm benefícios ao ter mais acesso à informação. “Ao se informar, o paciente sai do papel de coadjuvante e assume, junto com o médico, a responsabilidade pelas decisões referentes à sua saúde.”

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