Prestes a completar um ano morando em Niterói, de onde avista a Baía de Guanabara e o do Rio de Janeiro, o americano Paul Fernando Schreiner não vê a hora de retornar ao Estado de Nebraska, nos Estados Unidos, onde morou por aproximadamente 30 anos com os pais adotivos.
“Se eu te falar da minha rotina, tanto eu quanto você morreríamos de tédio”, afirma. Passeios ao shopping são frequentes – “O sinal do wi-fi é melhor aqui do que no apartamento”, afirma -, além de idas à academia, o único hábito que conseguiu manter após ser deportado dos EUA ao Brasil, em junho de 2018.
Paul Fernando Schreiner nasceu no Brasil. Sem certidão de nascimento, foi registrado no município de Nova Iguaçu, quando Rosanna e Roger Schreiner decidiram adotá-lo pelo preço de US$ 10 mil, em 1989. “Falaram que era um orfanato, mas não entregaram nenhum documento aos meus pais e ainda cobraram esse valor para me levarem. Existe a suspeita de ter sido uma gangue de tráfico sexual”, afirma.
Na época chamado pelas demais crianças da favela de Fernando, nome de registro de sua certidão brasileira, Paul tinha uma irmã biológica, que foi raptada por “caras maus”.
“A gente se escondia atrás de latas de lixo para desviar dos tiros. Nos refugíamos em uma casa e nunca mais a vi”. No suposto orfanato, onde ele afirma que os funcionários levavam-no para suas casas aos finais de semana, Paul Fernando Schreiner foi vítima de constantes abusos sexuais.
A história revelada na quinta-feira (6) pela agência Associated Press relata o drama que também pode acometer de 35 mil a 75 mil americanos adotados, segundo estimativas de grupos de adoção dos EUA.
Sem naturalização
Apesar de ter uma certidão de nascimento americana, com o nome dos pais adotivos, Paul Fernando Schreiner nunca fora naturalizado. A Lei de Cidadania Infantil, assinada em 2000, facilitava a concessão de cidadania a crianças estrangeiras adotadas, tornando-a automática.
Paul, entretanto, nunca conseguiu o benefício, restrito a menores de 18 anos no momento da promulgação da lei. O fato de obter um greencard, documento de cidadania legal a estrangeiros, também não o tornava elegível, devido ao seu histórico criminal: ele ficou oito anos preso após ter tido relações sexuais com uma garota de 14 anos, tendo sido acusado de estupro.
Política anti-imigração
A nova política anti-imigração dos EUA exigiu do Consulado do Brasil em Los Angeles – que tem jurisdição sob o Estado do Arizona, para onde Paul Fernando Schreiner se mudou após sair da prisão – pressionou o órgão por um “atestado de nacionalidade”, onde ele está registrado somente como Fernando, sem sobrenome ou nomes de seus pais, da mesma forma de sua certidão de nascimento brasileira.
Foi assim que Paul, o brasileiro que não fala português e não tem família no Brasil, entrou no País – sem passaporte. Os dados do atestado brasileiro não são os mesmos de sua certidão de nascimento americana – o que por enquanto não permitiu que o governo brasileiro emitisse documentos daqui para ele. Com isso, Paul não consegue trabalhar, nem abrir uma conta em seu nome no banco. Seu pai deposita dinheiro para o filho ao casal que o abriga.
“O governo me considera brasileiro, mas não estou sendo tratado como um. Só quero um passaporte para me mudar para o Canadá, onde a cultura é parecida e meus pais poderão me visitar”, relata.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores disse que o consulado em Los Angeles foi “instruído para confirmar formalmente, ante as autoridades americanas, a nacionalidade brasileira do senhor Schreiner, que tinha uma ordem final de deportação contra ele”.
‘Ódio do Brasil’
Paul Fernando Schreiner ficou oito meses detido em um centro para imigrantes ilegais nos Estados Unidos tentando reverter sua ordem de deportação antes de ser trazido ao Brasil. “Eu preferi ficar oito meses naquele lugar sendo tratado como imigrante ilegal do que vir para cá. Eu tinha medo do Brasil e tenho ódio daqui.”
Paul pede desculpas ao se referir ao País dessa maneira. “Eu só tenho lembranças ruins daqui. Não tem como eu gostar de um lugar onde via crianças usando armas e fui abusado. Meus pais me salvaram”, afirma.
O americano, que já pediu para uma de suas quatro filhas não se referir como descendente de brasileiros – a mesma foi proibida de visitá-lo no Rio – , não se considera religioso, mas sim com uma fé “em algo superior”.
“Adorava ir à igreja nos EUA. Fui em algumas missas aqui e pensava que iria aprender português. Mas meu cérebro simplesmente bloqueia”. Ele ainda não se acostumou com o estilo dos cariocas. “Sempre vestem bermuda!”
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