O Hospital da Criança de Brasília fez, no último fim de semana, uma cirurgia de 20 horas para separação das gêmeas Lis e Mel, que nasceram ligadas pelo crânio em junho do ano passado. O estado delas ainda é considerado muito delicado, mas, de acordo com a equipe médica, a recuperação das pacientes supera as expectativas.
Lis já foi retirada do coma induzido. “Há ainda um longo período pela frente, mas o resultado obtido até o momento é muito bom. Estamos confiantes”, afirmou o anestesiologista da equipe, Luciano Alves Fares.
Casos de gêmeos que nascem ligados pelo crânio (definidos pela ciência como craniópagos) são raríssimos. A estimativa é de que ocorra um em cada 2,5 milhões de nascimentos. O diagnóstico da má-formação foi feito ainda na 10ª semana de gestação. Quinze dias depois, uma equipe multidisciplinar, liderada pelo neurocirurgião Benício Oton de Lima, começou a ser formada para acompanhar o caso. “Foi a primeira e provavelmente a última cirurgia desse tipo que vou fazer na minha vida. Esse é um caso muito raro”, contou Oton de Lima.
A ideia de fazer a cirurgia de separação vinha sendo trabalhada desde a gestação. Mas a estratégia cirúrgica foi definida apenas no primeiro mês de vida dos bebês, quando exames descartaram o risco de drenagem venosa compartilhada. Isso significava que o sistema venoso de cada uma das gêmeas era independente, o que permitia que a cirurgia fosse feita em apenas uma etapa.
As crianças nasceram com a parte frontal direita ligada uma a outra. Como a distância entre os crânios era muito pequena, foi necessária a realização de fisioterapia e uma série de procedimentos preparatórios para a operação. Em janeiro, por exemplo, uma cirurgia foi feita para implantação de cinco extensores de silicone. O objetivo era expandir a pele da face das crianças que mais tarde seria usada para cobrir a cicatriz da cirurgia na região frontal.
A equipe, com cerca de 50 integrantes, enfrentou uma maratona de encontros para planejamento da cirurgia e treinamento dos procedimentos que seriam realizados. Cinco profissionais estrangeiros, ligados ao The Children’s Hospital at Montefiore, dos Estados Unidos, que já tinham experiência nesse tipo de caso, foram convidados para acompanhar a operação. A equipe de convidados, três médicos e duas enfermeiras, assistiu a cirurgia.
“O planejamento foi fundamental. Avaliamos todas as etapas, todos os riscos. Ainda há muito pela frente, mas tudo está caminhando como o imaginado”, afirmou o cirurgião plástico da equipe, Ricardo Machado Homem. Não há ainda como saber se haverá sequelas nos bebês. Mas Oton Lima afirma haver chances de boa recuperação. Em primeiro lugar, porque a cirurgia foi feita ainda no primeiro ano de vida dos bebês, quando a neuroplasticidade (capacidade de recuperação) é mais acentuada. Além disso, a ligação dos crânios ocorreu no lobo frontal, onde há menos riscos de sequelas.
As gêmeas são as primeiras filhas do casal Camila Vieira Neves, de 25 anos, e Rodrigo Martins Aragão, de 30 anos. “Meu sonho é agora levá-las para passear. Fazer coisas simples, que ainda não conseguimos fazer.” A expectativa é de que as meninas permaneçam mais 15 dias no hospital antes da alta. O casal mora em Ceilândia, cidade nas proximidades de Brasília. “Ver as duas separadas foi um sonho que se realizou. Uma espera que acabou e a certeza de que a gente ganhou uma guerra. Sabemos que teremos outras batalhas, mas a gente vai vencer.”
A cirurgia foi feita em duas etapas, com duas salas de apoio. Equipes também eram distintas. O grupo encarregado de atender Mel estava equipado com toucas, máscaras e luvas amarelas. A equipe que atuou com Lis, usou rosa. “Tudo foi separado, instrumentos, insumos, com cores específicas de cada uma”, contou o anestesiologista. “Estamos muito otimistas e nos preparando para, no dia 1º de junho, comemorar o aniversário de 1 ano das meninas com um bolo e uma festa”, completou.
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